top of page
Assim, após realizadas as etapas de enunciação temática e definição do recorte de análise, encontramo-nos na condição de consolidação do método de abordagem. Para tanto, ficou evidente em nossas investigações a condição sistemática de operação do Arco, compreendendo tanto o curto intervalo de tempo em que se depreenderam as ações de demolição das preexistências como da construção dos viadutos. Além disso, na maneira em que esses retalhos articularam-se em implantação e no plano simbólico.
Dessa forma, buscou-se compreender que independente da densidade ocupacional ou das condições de topografia se realiza simplesmente um rasgo longitudinal nos territórios existentes. Ademais, a composição enfática dessa grande transformação urbana a medida em que se coloca na paisagem dos bairros do Bixiga, Liberdade e Glicério se apresenta não em tom de interlocução com a cidade, mas de um simbolismo monumentalista e de propaganda do governo vigente. Fica evidente que a perenidade do arco estabelecido extrapola-se não só com uma visão de cidade determinada, mas que no caráter monumental de suas estruturas consolida e exemplifica de alguma forma a supressão de vozes pela versão hegemônica.
Deste modo, a visão sobre essas produções de sentido, na nossa perspectiva de atuação, deveria promover um movimento pendular entre as memórias locais que foram apagadas, e o tensionamento das bases imateriais desse sistema. Portanto, clareou-se em nossos estudos que existem 3 primordiais perdas para o estabelecimento do Arco, que se colocam evidentemente em maior ou menor medida ao longo do perímetro.
A primeira circunscreve-se na perda de uma dinâmica de cidade e suas continuidades, evidenciada principalmente no uso e ocupação da rua como extensão das dinâmicas familiares, as quais vão sendo progressivamente diminuídas com o avanço do rodoviarismo e sofrem uma evidente cisão com as novas estruturas.

A segunda consiste no desencontro entre via e topografia, desde a limitação de uma única cota criando situações de estrangulamento de edificações como até na total desconsideração de um morro. Já a terceira constitui-se pela separação de caminhos e espaços públicos sobre a perspectiva do pedestre, sendo talvez uma desconsideração dos percursos existentes pela impressão do traçado do sistema, além de uma criação de espaços residuais pelo martírio de situações passadas. Nesse sentido, surge como solução possível o estabelecimento de um percurso que justamente encontre esses pontos sensíveis - ou seja, lugares onde a supressão de memórias se pontua de forma mais tensionada-, almejando não somente a costura sobre esse território desmembrado através do caminhar, mas também como processo de entendimento da magnitude e imposição das obras. Reativar a noção do pedestre é precisar, além das perspectivas que a trilha informa ao permear as intervenções, a maneira como as perdas imprimidas pelo Arco se unem ao trazer à tona as memórias suprimidas. O intuito do percurso apresenta-se no olhar de tensionar a ideia de sistema.


Glossário
3
A tradicional Padaria São Domingos, estabelecida no bairro do Bixiga desde 1913, resistiu as reformas urbanas da Ligação Leste-Oeste e é até hoje administrada pela mesma família, os Albanese.
A padaria é famosa por seus tradicionais pães de linguiça, queijos e antepastos, chegando a gerar longas filas aos finais de semana.
A Padaria Quatorze de Julho, fundada no bairro do Bixiga em 1897, é uma das padarias mais antigas e populares da cidade.
4
O antigo casarão situado no bairro do Bixiga foi local de residência e clausura para Sebastiana de Melo Freire (1887-1961), que teve uma vida marcada por tragédias pessoais, sendo a única herdeira da fortuna de seus familiares, todos falecidos. Aos 31 anos, começou a dar sinais de insanidade mental, e em 1919 foi interditada e internada em um sanatório. Seus cuidadores conseguiram transferi-lá para o então casarão onde permaneceu isolada por 36 anos. Em 1961 morre, e em 1968 seus bens foram definitivamente transferidos para a USP.
5
Pérola Ellis Byington (1879-1963) foi uma mulher de família imigrante norte americana, atuante da Cruz Vermelha e defensora da saúde da mulher e das crianças. Em 1959, o Hospital Pró-Infância em São Paulo recebeu seu nome em homenagem, sendo um centro importante para questões relacionadas a violência contra mulher e atendimento a jovens em situação de vulnerabilidade social. A praça do bairro da Bela Vista também recebe seu nome como homenagem.
6
Os arcos foram construídos por imigrantes italianos entre 1908 e 1914 para solucionar deslizamentos de terra entre as ruas Jandaia e Assembleia. Por volta de 1930 a área foi ocupada por sobrados que encobriram os arcos até 1987, quando o prefeito Jânio Quadros realizou a demolição para a abertura da conexão entre 23 de maio e a Radial Leste-Oeste. Assim, a obra que era popularmente conhecida na sua concepção como Arcos da Rua Jandaia, recebeu o nome de Arcos do Jânio a partir de 1987.
O Teatro São Paulo foi primeiramente um tendal onde se armazenava as carnes advindas do matadouro da Vila Mariana (c. 1895- 1911) e, por se situar no então Largo da Glória, chamavam-no Tendal do Largo. Foi reformado para sediar o Teatro São Paulo, operando a partir de 1914. A partir da década de 40 sediou um cinema, e o largo então passou a ser denominado de Praça Almeida Junior, uma homenagem ao pintor paulista pela comunidade que frequentava o Teatro. Na época da demolição (1968), era palco da Escola de Danças Folclóricas e Caracteristíca. Os dois segmentos de praça remanescentes entre a radial leste-oeste ainda levam o nome de Almeida Junior.
O Cine Niterói, construído em 1953 na Rua Galvão Bueno, foi um marco importante para a consolidação da comunidade oriental no bairro da Liberdade. O cinema foi desapropriado e demolido em 1968 para a construção da Ligação Leste-Oeste.
7
A Capela Nossa Senhora dos Aflitos (1774), localizada na R. dos Aflitos, 70 no bairro da Liberdade, está originalmente ligada ao primeiro cemitério público da cidade, o Cemitério dos Aflitos. A maioria dos estudos indica que o Cemitério dos Aflitos, conhecido também como Cemitério dos Enforcados, era o destino de pessoas marginalizadas: negros, pobres, e indigentes enforcados em praça pública.
Hoje, na praça onde aconteciam os enforcamentos, está a estação do metro Liberdade. Já a Capela dos Aflitos resiste em um beco rodeado de outros edifcios.
O Parque Shangai, se estabeleceu definitivamente no centro de São Paulo entre 1944 e 1945, na várzea do Glicério no Parque D. Pedro II. Antes, um parque itinerante que chegou a viajar até para outros países da América Latina - como a Argentina - se consolidou na década de 40 como um ponto tradicional de lazer na cidade paulistana. O custo do ingresso para o parque era de 1,50 cruzeiros.
O parque foi demolido em 1968 para a construção da Ligação Leste-Oeste.
bottom of page